terça-feira, 9 de agosto de 2011

Mordida - em quem dói mais?

Texto para leitura e reflexão dos responsáveis

          Até os três anos de idade, as mordidas são conhecidas e comuns entre as crianças. Não é raro encontrar queixas de pais que, ao buscarem seus filhos na escola os encontram mordidos por algum coleguinha. Geralmente são crianças pequenas, que estão aprendendo a dividir seu espaço com outras crianças da mesma idade. Nesse período estão aperfeiçoando seus sentidos, estão fora dos cuidados dos pais e precisando dividir a atenção dos adultos com outras crianças.
          Não é fácil para os pais assimilarem essas mordidas sem mágoa ou indignação de alguém, que não se conforma com a situação ao ver seu filho tão desprotegido, agora marcado pelos dentes de um colega. Tão desagradável também é a situação dos pais da criança que morde. E assim uma cascata de cobranças começa em cima da escola, por não ter profissionais suficientes. E se tem, não estavam atentos aos ocorridos.
          Para entender o fato, é preciso voltar nossa atenção para o desenvolvimento físico e emocional das crianças.

O mundo pela boca

            Crianças pequenas têm interesse e curiosidade por tudo que há à sua volta. A grande interação com o mundo, todos sabem, principia pela boca, por onde o indivíduo faz importantes descobertas. Significativas sensações de prazer físico, psíquico e social acontecem nesse período, que acompanha a dentição. Na fase oral, encontramos, com freqüência, a criança mastigando, sugando, chupando, produzindo sons, levando objetos à boca e mordendo. Ele deseja conhecer o outro, apropriar-se dele, das coisas e das pessoas, manifestando desse modo, uma agressividade primitiva.

É meu!

Do ponto de vista pedagógico experimentamos um olhar bastante diferente sobre o fato de crianças até os 3 ou 4 anos reagirem agressivamente às interações com colegas ou até com outros adultos.  Entendemos por reações agressivas não só a mordida, mas também o empurrão, o “apertão”, o beliscão, o puxão de cabelo. E vemos todas as reações agressivas de nossos alunos da mesma maneira, independente de deixarem marcas no corpo ou não. Tratamos das agressões também da mesma maneira.
            Entendemos que as crianças pequenas ainda estão aprendendo a controlar suas emoções e a usar a fala para se comunicar. Muitas vezes são agressivas por não saberem resolver uma frustração ou insatisfação de outra maneira. O bebê aprende a usar o choro como instrumento de defesa e comunicação de desconfortos. Posteriormente, ele aprende a usar as mãos, os dentes. Com 2, 3, 4 anos a criança já começa a aprender outras estratégias. Falar que não gostou, que deseja brincar também com aquele brinquedo, fazer negociações (você brinca primeiro e depois me empresta), buscar a ajuda do adulto para resolver um conflito são alguns exemplos de estratégias que podem ser aprendidas nessa idade e que fazem a criança passar da fase das agressões para uma nova fase.
             É claro que, um pouco mais tarde, a mordida ganha nova feição, passando a ser um modo de chamar a atenção mais rapidamente ou a resposta a um desejo contrariado (antes o choro era o recurso mais utilizado para isso). Normalmente essa criança ainda não fala com tanta fluência, articula as palavras com alguma lentidão e sabe que, com essa abordagem mais "enfática", resolverá mil vezes mais rapidamente a disputa pelo brinquedo. Apesar de sabermos que essas manifestações agressivas na infância não resultam na constituição de um sujeito violento na idade adulta, é claro que esse comportamento deve ser desestimulado.
             Em situações estressantes, esse tipo de reação também não é algo raro. Mães e professores têm relatos de crianças que, em meio a um grande número de pessoas, como em festas, por exemplo, mordem por ansiedade e insegurança. Alguns momentos na vida da família também podem detonar irritabilidade e agressões: um irmãozinho chegando ou recém-nascido; pai e mãe se separando; mudança de casa ainda não assimilada; todos são exemplos muito comuns. Ainda devemos lembrar dos filhos únicos e mais possessivos, que costumam ter um baixo nível de tolerância.

Ajudando a criança que morde

Cabe-nos ajudar tanto a criança agressora quanto a que sofre as investidas identificando as razões das mordidas e interrompendo o processo para evitar a instalação da agressividade no grupo. Dê possibilidade a seu filho ou aluno de expressar o que ele sente para que compreenda o que está acontecendo consigo. Quando ele não souber dizer por que mordeu o colega, experimente oferecer-lhe algumas opções.
            Fora da situação em que os ânimos estão exaltados, mostre à criança que o amigo ficou triste e machucado. É importante considerar que o conceito de dor, como o de outras sensações, é construído. Imaginar-se no lugar do outro é um excelente exercício para despertar a percepção das conseqüências das ações que se pratica.
Ao ver o colega chorar é comum a criança agressora se surpreender, pois não imagina que poderia machucar, uma vez que esta não foi a intenção. Ao ser convidada para pôr gelo na mordida do colega ou ajudá-lo a levantar depois de um empurrão, damos à criança a possibilidade de se responsabilizar pelo que fez, percebendo que esse tipo de ação requer um “reparo”.
           Por mais que pareça a melhor medida, o isolamento da criança não resolve o problema. Aprende-se a conviver bem experimentando a convivência. Ao mesmo tempo, dê mais atenção às crianças para reduzir a incidência de ataques.
           Impeça que a criança sinta-se premiada com o comportamento inadequado. Ela não deve usufruir daquilo que conquistou à base da mordida (isso vale para chutes, beliscões, tapas, arranhões). Além disso, estimule sempre um pedido de desculpas.
           Se você perceber a necessidade de ameaçar com uma medida punitiva, combine o que acontecerá se o ato voltar a ser praticado e cumpra o combinado. Voltar atrás é dizer que você não tem certeza de sua decisão. Vale lembrar que a punição não deve ser física e que a criança não deve ser humilhada.

Ela foi mordida de novo

Muitas vezes, avalia-se que uma criança é precoce, que é mais madura porque gosta mais de conviver com crianças mais velhas ou com adultos, demonstrando desconforto, inquietude, irritação quando está com outras crianças de sua idade. Claro que é possível que isso ocorra, mas o que verificamos, normalmente, é que o dia-a-dia entre indivíduos da mesma faixa etária, na fase do desenvolvimento de que estamos tratando, é mesmo o que há de mais difícil pois todos têm demandas semelhantes. 
            Voltemo-nos para a criança que é mordida repetidas vezes. Ela precisa de acolhimento - atenção e ajuda - para melhorar seus reflexos, expressar seu descontentamento e encontrar mecanismos de defesa. Fortalecê-la, porém, não é incentivar o revide, o que ocorre com freqüência com alguns pais pelo receio de que seu filho se torne um sujeito passivo diante da vida. É preciso lembrar que o adulto não deve oferecer um modelo agressivo sob pena de fixar o ambiente hostil que está rondando os primeiros relacionamentos da criança. Por mais que seja sofrido ver o filho marcado por um colega, evite o rancor, pois a criança que morde não é má, e seus pais sofrem muito temendo que ela seja discriminada pela turminha e pelos outros pais.

Final feliz

            Uma mãe, amiga de longa data, vive recontando as histórias de seus dois filhos. O primeiro foi mordido algumas vezes pelos colegas, e isso doía mais nela (quem não a compreende?) do que no braço dele. O segundo filho, dois anos mais novo, foi para o outro lado da corda: até babava, literalmente, quando via uma bochecha por perto. Aborrecido, então, distribuía empurrões e marcas de dentes entre os que estivessem ao seu alcance. Ela não sabe quando sofreu mais: se quando mãe da vítima ou mãe do agressor.
            Bem, a boa notícia é que esses comportamentos são passageiros. Se bem conduzidos, por mãos firmes e afetivas, nossos pequeninos aprenderão a superar essa fase e construirão relações sociais saudáveis. Trocar experiências com o professor, com o pediatra, com o psicólogo, com outros pais rende tranqüilidade para uma ação positiva.
Especialistas dizem que nós, adultos, temos que tomar cuidado para não valorizarmos a mordida excessivamente. Morder não é mais agressivo que empurrar ou puxar o cabelo, por exemplo.  Justamente por se tratarem de atitudes relacionadas a uma fase que, segundo nossa experiência, passa mais rápido se tratada como tal e não quando encarada como um grande problema.
             A parceria entre escola e família é muito importante nesse momento, pois podemos juntos elaborar estratégias de ação para cuidarmos com a devida atenção tanto das crianças agredidas, quanto das agressoras. Nosso papel é oferecer a elas as ferramentas necessárias para aprenderem a conviver socialmente, descobrindo suas potencialidades. 
           
Referências:
Mordida - em quem dói mais? - Aglacy Mary - Nossa Voz – Aracaju – SE – nº 90 – outubro/2007
As mordidas na escola - Albertina de Mattos Chraim – site da Escola nova nossa infância

MORDIDAS - Refletem um “problema” ou fazem parte do desenvolvimento infantil?- Patricia Escanho

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